Podia Estar Roubando, Mas Só Quero Sua Alma (e Seu Follow)

Você conhece essa cena. Ela é um patrimônio imaterial brasileiro, encenada todos os dias em milhares de coletivos pelo país. A porta se abre, e uma figura sobe os degraus, equilibra-se no corredor em movimento e lança o que talvez seja o mais eficaz e sucinto pitch de vendas já criado:

“Senhoras e senhores, boa tarde. Com licença. Eu podia estar roubando, podia estar matando, podia estar no crime organizado. Mas não, tô aqui, na humildade, vendendo minha balinha/meu amendoim/minha água pra garantir o pão de cada dia…”

É genial. Numa única frase, o cara estabelece uma ameaça velada, gera culpa, ativa nosso instinto de autopreservação e, imediatamente depois, se posiciona como um bastião da moralidade e do trabalho duro. É uma aula de retórica, uma peça de teatro em 15 segundos que transforma um corredor de ônibus em um confessionário. Você não compra a bala pelo sabor. Você compra a indulgência. Paga para não ser a pessoa que negou ajuda a um homem que escolheu não te assaltar.

Sempre achei isso fascinante. A necessidade de listar os crimes que você não está cometendo para validar sua existência e seu trabalho.

Acontece que hoje, nós somos o cara do ônibus.

Nós, criadores de conteúdo, humoristas, artistas, jornalistas, todos que dependem dessa nova e misteriosa entidade chamada “relevância online”. A gente só trocou a mercadoria. A bala de goma virou post. O amendoim virou vídeo curto. E o pedido de “uma pequena ajuda” se transformou em um mantra igualmente desesperado, só que com palavras mais bonitinhas: “Curte, comenta, compartilha, ativa o sininho, entra pro canal, me segue pra mais dicas”.

A lógica é a mesma. O discurso que fazemos é idêntico, só que com jargão da Faria Lima:

“Prezada comunidade, boa tarde. Eu podia estar usando meu tempo para espalhar desinformação, podia estar comprando seguidores falsos na Índia, podia até ter montado um esquema de pirâmide disfarçado de marketing multinível. Mas não. Estou aqui, com resiliência e um mindset de crescimento, agregando valor ao seu dia com conteúdo de alta qualidade.”

Vê? É a mesma estrutura. A mesma chantagem emocional. A gente só trocou a ameaça do “crime” pela ameaça da “irrelevância”. O crime, hoje, é não engajar. O pecado é o scroll indiferente. A gente não pede mais dinheiro para o pão. A gente implora por dados para alimentar uma entidade insaciável e invisível chamada Algoritmo. E o pior: a gente nem sabe se essa entidade realmente existe ou se é só um estagiário entediado na Califórnia apertando botões aleatórios.

Então, com a mesma honestidade brutal do nosso colega de profissão do transporte público, aqui vai o meu pedido, a minha caixinha de produtos estendida no corredor do seu feed.

A gente também precisa de uma pequena ajuda. Não pra comprar a mistura, mas pra impedir que nossas ideias sejam enterradas vivas no cemitério digital. Se você acha que o que fazemos aqui tem algum valor, se uma piada te fez pensar ou um texto te fez sentir menos sozinho nesse hospício, considere fazer a sua boa ação do dia.

As nossas redes sociais estão aí, no topo e no rodapé desta página, como uma saída de emergência. Mas, para facilitar o seu ato de caridade digital, aqui estão elas:

  • Para o conteúdo mais visual, onde a gente finge que tem tudo sob controle:
  • Para as pílulas de acidez em tempo real, nosso balcão de reclamações oficial:
  • Para manter contato com a família e entrar em discussões que vão durar três dias:

Não custa nada, não precisa de troco e o único risco é você acabar gostando.

Obrigado pela atenção. Agora podem voltar para a programação normal de seus medos e boletos. Afinal, no grande ônibus da internet, ou você está vendendo alguma coisa, ou a passagem é você.

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