Manual de Instruções para Desbatizar a sua Avó

Passei no Mercado Central outro dia pra comprar um queijo e quase perguntei as odds do Canastra. Na fachada, junto ao nome que mora no coração de todo belo-horizontino, agora brilha o letreiro de uma casa de apostas. É o “Mercado Central KTO”. Faz um certo sentido irônico: um lugar de tradições se vendendo para o templo do talvez, do “quem sabe”. Onde antes a gente só apostava se a goiabada era cascão, agora a gente pode apostar no campeonato da Bósnia.

Não é um caso isolado. É uma epidemia. Em São Paulo, o velho Pacaembu agora atende pela alcunha de “Mercado Livre Arena Pacaembu”, um nome tão corporativo que você espera que o gandula te entregue a bola numa caixa parda com um sorriso no logotipo.

E a praga, meus amigos, a praga se alastra com a velocidade de uma fofoca em grupo de família. Li hoje nos jornais que o nosso Gigante da Pampulha, o Mineirão, está com “negociações avançadas” para vender o próprio nome. A pergunta deixou de ser “será que acontece?” para “qual vai ser a desgraça da vez?”.

Qual será o novo nome do Mineirão? A mente voa. Como a moda são as casas de apostas, poderíamos ter o “Estádio Betano Pampulha”, onde cada chute a gol vem com uma notificação no celular pra você dobrar a aposta. Mas eu acho que podemos ser mais criativos, mais afinados com a alma do torcedor mineiro, que é, antes de tudo, um sofredor profissional.

Meu palpite? O novo nome será “Estádio Rivotril Pampulha: Pra você assistir ao seu time sem sofrer”. Ou quem sabe “Arena Neosaldina: O Gigante que acaba com a sua dor de cabeça”. Seria um serviço de utilidade pública. Você já sairia de lá medicado, pronto para a segunda-feira. A Minas Arena não estaria vendendo um nome, estaria oferecendo um combo de entretenimento e terapia.

O problema é que essa lógica não para. Ela é como uma mancha de óleo, se espalha faminta e vai cobrindo tudo. Se hoje são nossos mercados e estádios, amanhã será o quê? O Cristo Redentor? Imagina: “Cristo Redentor by iFood: a fé que chega quentinha na sua casa”. Já está de braços abertos, pronto pra entregar o pedido.

Eles não estão apenas renomeando prédios. Estão sequestrando nosso léxico afetivo. O nome de um lugar não é só uma palavra. É um atalho. Um atalho para um sentimento, uma lembrança, uma identidade. “Mercado Central” não é um amontoado de sílabas; é o cheiro de tempero, o gosto do fígado com jiló, o som das conversas que curam qualquer solidão. “Mineirão” é o eco do gol do Tostão, a alegria de um título, a tristeza de um rebaixamento. São arquivos.zip da nossa história.

O que eles fazem é instalar um pedágio no nosso caminho de volta pra casa, para as nossas próprias memórias. A verdadeira tragédia cômica é a falta de imaginação dessa gente. Os donos do mundo ficaram sem ter o que inventar para vender, então decidiram vender o que já existia.

Daqui a pouco, isso chega na sua vida. O cartório vai oferecer pacotes de naming rights para recém-nascidos. “Parabéns, é um menino! Ele se chamará João, mas se os senhores aceitarem nossa oferta de 20% de desconto nas taxas, podemos registrá-lo como ‘João, um oferecimento de Postos Ipiranga’.”.

Eles não querem apenas o seu dinheiro. Eles querem o seu vocabulário. Querem que, ao pensar em futebol, sua mente exiba o logo de um ansiolítico. Querem que, ao buscar por um ponto de referência, seu cérebro sugira resultados patrocinados. É a colonização do nosso HD interno.

Mas quer saber? Podem tentar. Podem comprar as placas, os letreiros e os uniformes. Podem enfiar seus logotipos em cada centímetro quadrado de espaço público. Mas a nossa memória, meus caros, essa teimosa e anárquica senhora, felizmente, ainda não tem espaço pra publicidade.

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