A Breve e Trágica Felicidade da Galinha Gertrudes

Eu tenho um hobby perigoso: visitar feiras de orgânicos. É o meu safári antropológico. Vou para observar uma tribo específica da fauna urbana que acredita piamente que a iluminação espiritual pode ser comprada a granel e paga no Pix. É um santuário da virtude engarrafada, um lugar onde o brócolis tem mais pedigree que muito membro da aristocracia europeia e onde as pessoas falam com uma calma suspeita, como se tivessem acabado de sair de uma sessão de reiki com o próprio Dalai Lama.

O ar cheira a terra molhada, dinheiro e uma leve ansiedade sobre glúten. E foi nesse cenário, entre uma couve-flor que custava o mesmo que um rim no mercado paralelo e um “sal grosso do Himalaia colhido por monges virgens ao luar”, que eu vi a obra-prima. A Mona Lisa do marketing alimentar. Uma caixinha de papel reciclado, com uma tipografia simpática, que anunciava: “Ovos de Galinhas Felizes”.

(Pausa para absorver a profundidade disso)

Não eram ovos de “galinhas bem-tratadas”. Não eram de “galinhas criadas soltas”. Não. Eram de galinhas FELIZES.

Meu cérebro, essa máquina de moer hipocrisias que eu chamo de ganha-pão, entrou em curto. A felicidade, essa busca humana complexa que lota consultórios de terapia e move a indústria farmacêutica, agora foi alcançada. Por galináceos. E aparentemente, é um estado de espírito tão estável que pode ser impresso numa embalagem.

O que constitui a felicidade para uma galinha? É aqui que a coisa fica interessante. Será que elas têm um plano de previdência privada com bom rendimento em milho? Será que o galo da granja é um líder carismático, um coach motivacional que faz palestras sobre “O Poder do Cacarejo Agora”? “Vamos, equipe! Quero ver essa produção de ovos com propósito!”

Fico imaginando o RH da granja. A entrevista de emprego. “Ok, Gertrudes, vemos aqui no seu currículo que você tem experiência em ciscar e botar ovos. Mas como você lida com a pressão? Qual a sua perspectiva sobre a filosofia existencialista de Sartre? Você se considera uma galinha realizada?”

E, por oposição, devem existir as granjas de “Galinhas com Questões Mal Resolvidas”. A galinha com burnout, exausta da pressão corporativa por mais ovos. A galinha cínica, que fica no canto do galinheiro fumando um capim e dizendo “felicidade é uma construção social, sua idiota, amanhã a gente vira canja”. A galinha adolescente-gótica, que só bota ovos pretos e escuta The Cure.

A piada, claro, não é sobre a galinha. A piada é sobre nós. A genialidade doentia do capitalismo tardio foi perceber que a nossa culpa é um nicho de mercado. Nós não estamos comprando uma dúzia de ovos por vinte e cinco reais. Estamos comprando uma certidão de que não somos monstros. Estamos comprando uma narrativa para nos contar no café da manhã: “Eu sou uma boa pessoa. A galinha que produziu este omelete teve uma vida plena, com hobbies, amigos e, quem sabe, um podcast sobre os desafios da maternidade aviária”.

É a terceirização da nossa consciência para uma granja. É a linguagem sendo usada como um anestésico moral, uma ferramenta para higienizar a realidade e nos vender uma absolvição embalada a vácuo. Como diria meu mestre Carlin, é “linguagem suave para ocultar o pecado”.

Saí da feira sem os ovos. Não tenho dinheiro para comprar a felicidade, nem a minha, quanto mais a de uma galinha. Mas saí com esta crônica. E a certeza de que, em algum lugar, uma galinha chamada Gertrudes está numa pequena roda de terapia de grupo, reclamando que ninguém a leva a sério e que o sentido da vida dela foi reduzido a um slogan numa caixa de papelão. E isso, meus amigos, é de uma infelicidade profunda.

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