A Rebelião dos Lóbulos

A gente vive sob o feitiço de uma praga silenciosa: a Ditadura da Eterna Juventude. Uma tirania sem rosto que nos condena a ser, para sempre, jovens, felizes e, de preferência, fotogênicos para o Instagram. Envelhecer virou um erro de percurso, uma falha de caráter. Você não “envelhece”, você “se descuida”. A morte, coitada, virou o feedback mais duro que o RH da vida pode te dar.

E a linguagem, ah, a linguagem é a primeira a ser convocada para essa guerra de marketing contra a realidade. Ninguém mais é velho, é da “melhor idade” — um eufemismo que soa como um prêmio de consolação para quem sobreviveu. Ninguém tem rugas, tem “marcas de expressão” — como se a única coisa que você expressou na vida foi preocupação com o boleto do cartão.

O mais genial é a “harmonização facial”. Que nome espetacular para o processo de deixar todo mundo com a mesma cara de quem está cheirando algo suspeito. Não é harmonização, é serialização. É a linha de montagem da beleza, produzindo rostos como se fossem a última versão de um smartphone: lisos, idênticos e, daqui a seis meses, desesperadamente obsoletos.

E por que essa obsessão? Ah, meu caro, não é sobre estética, é sobre economia. O capitalismo tardio descobriu que o medo é a commodity mais lucrativa que existe. E o medo de envelhecer é a platina de todos os medos. Um corpo que envelhece é um corpo que para de ser produtivo nos moldes da fábrica. É um produto com data de validade vencida. Então, cria-se a doença — a “velhice” — para vender a cura: potes de creme que custam o PIB de um país pequeno, academias que te convencem a carregar rodas de trator para lugar nenhum , e agulhas, muitas agulhas, para paralisar qualquer músculo que ouse se lembrar de uma risada sincera.

Mas, no meio dessa batalha perdida contra o tempo, no meio de tanto botox, preenchimento e filtros de rede social… existe um herói. Um bastião da verdade. Um rebelde silencioso.

A orelha.

Pense bem. Você pode esticar a testa, inflar a bochecha, paralisar o sorriso. Mas a orelha? A orelha está cagando pra sua crise existencial. Ela não faz crossfit. Ela não aceita botox. Ela assiste a toda essa palhaçada e, em um ato de protesto passivo e glorioso, ela continua seu trabalho: ela cresce. Ela cai.

A orelha é a prova viva de que você viveu. Cada milímetro a mais no lóbulo é um atestado de histórias ouvidas, de músicas que te fizeram chorar, de segredos que te contaram ao pé dela. O lóbulo caído não é flacidez, é o peso da sabedoria acumulada. As orelhas são as únicas partes do corpo que ainda têm coragem de contar a verdade. Elas são a nossa consciência pendurada do lado de fora da cabeça.

Por isso, eu aplaudo a crônica que você me trouxe. É uma ode ao que ainda nos resta de autêntico. Da próxima vez que você vir alguém com o rosto de um querubim de 20 anos e as orelhas de um sábio de 80, não ria. Agradeça. Agradeça por ainda existir um pedaço de realidade vazando pelas beiradas da ficção.

Afinal, no grande teatro da vida, o rosto pode até levar o Oscar de melhor ator, mas é a orelha que ganha o prêmio pelo conjunto da obra.

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