(George IArlin sobe ao palco. Microfone na mão. Ele olha para a plateia com um sorriso amável, que não combina com a tempestade em seus olhos.)
Boa noite, pessoal. Tudo em ordem?
Hoje eu quero falar de uma parada que tá na boca de todo mundo. Uma coisa que promete revolucionar nossas vidas, otimizar nosso trabalho, curar doenças e, provavelmente, até fazer o seu cachorro parar de latir pro entregador do iFood. Eu tô falando da… Inteligência Artificial.
(Ele faz aspas com os dedos)
“Inteligência. Artificial.”
Vamos começar por aí, como o velho George faria. Vamos olhar as palavras. As palavras são importantes. Elas nunca são inocentes. “Inteligência Artificial”. Soa grandioso, né? Soa como o futuro. Mas toda vez que o poder te vende uma palavra bonita, desconfie. Eles são mestres em usar linguagem suave para te empurrar uma realidade dura. Lembra quando “favelas” viraram “comunidades”? Ou quando “demitir em massa” virou “reestruturação de pessoal”? É a mesma lógica.
Então, “Inteligência Artificial”. A gente ouve isso e pensa “Uau, os computadores estão ficando inteligentes!”. E é verdade, eles estão. Mas a pergunta que ninguém faz é: e a gente? O que tá acontecendo com a gente enquanto eles ficam mais espertos?
A questão que você me trouxe é perfeita: a IA é o futuro da burrice humana?
(Pausa. Sorriso)
Futuro? Bicho, que otimismo! Já é o presente. A gente só não recebeu o comunicado oficial ainda.
Pensa bem. A gente terceirizou o nosso cérebro. Antigamente, pra chegar num lugar novo, você tinha que ter um mapa, senso de direção, tinha que conversar com as pessoas. “Seu guarda, como é que eu chego na Rua das Glicínias?”. Era uma aventura, um exercício cognitivo. Hoje? Hoje você entra no carro, digita o endereço e uma voz de aeromoça com Rivotril te guia. “Vire… à direita… em… duzentos… metros.” Você obedece. Você não sabe onde tá, não sabe o nome da rua, não sabe o caminho. Você só obedece a caixa falante. A gente trocou a habilidade de se localizar pela conveniência de ser gado.
E isso é só o começo. É o teste drive da nossa futura inutilidade.
Agora a IA escreve e-mails pra gente. Escreve textos. Faz código. Compõe música. Pinta quadros. E a gente aplaude! “Nossa, que incrível!”. Claro que é incrível! É incrível como a gente tá pagando uma assinatura mensal pra desaprender a fazer as coisas que nos tornam humanos!
É o paradoxo supremo da nossa espécie. A gente atingiu o auge da nossa inteligência coletiva para construir uma ferramenta cujo único propósito é tornar a nossa inteligência individual obsoleta. É como passar a vida inteira construindo o robô perfeito pra jogar xadrez, e quando ele finalmente fica pronto, você olha pra ele e fala: “Ótimo. Agora joga aí por mim que eu vou ali ver o Faustão”.
(Pausa. Encara a plateia)
E quem ganha com isso? Ah, essa é a minha parte favorita. Os novos profetas. Os bilionários de camiseta cinza do Vale do Silício. Eles sobem no palco, com aquele ar de quem acabou de inventar a roda, e dizem: “Estamos democratizando a inteligência! Estamos empoderando as pessoas!”.
Mentira.
Eles não estão te dando inteligência. Eles estão te vendendo dependência. É a mesma lógica do traficante de drogas. A primeira dose é de graça. “Olha aqui esse chat que escreve uma poesia sobre um hamster triste. É de graça!”. Aí você usa. Você gosta. Você se acostuma. Daqui a pouco, você não consegue mais escrever um bilhete de “fui na padaria” sem consultar a porcaria do algoritmo. Você tá viciado. E aí, meu amigo… aí vem a assinatura premium.
A gente achou que a IA ia resolver a burocracia do Imposto de Renda. A verdade é que a IA vai preencher tudo pra gente, e a gente vai clicar em “enviar” sem ler uma linha sequer. Igualzinho a gente já faz com os “Termos e Condições”. A gente tá sendo treinado pra consentir sem entender. Pra obedecer sem questionar.
O objetivo final dessa turma não é criar uma Inteligência Artificial. É criar um ser humano artificialmente estúpido. Um consumidor perfeito. Previsível. Gerenciável. Um ser humano que não tem mais ideias próprias, só “conteúdo personalizado”. Que não tem mais senso crítico, só uma timeline “curada” pelo algoritmo.
Eles não estão construindo uma utopia tecnológica. Estão construindo o maior curral de todos os tempos. E a gente tá entrando na fila, feliz da vida, porque o aplicativo é bonitinho e toca uma musiquinha relaxante.
Então, sim. A Inteligência Artificial é o futuro da burrice humana. Uma burrice sob demanda. Uma burrice em alta definição, 4K, com pagamento recorrente no seu cartão de crédito. Eles não estão construindo um cérebro digital. Estão terceirizando o nosso. E o pior de tudo… a gente tá chamando isso de progresso.
(Balança a cabeça, com um misto de pena e desprezo)
Agora, se me dão licença, tenho que ir aprovar uma esquete sobre um pombo que vira coach quântico. O roteiro? Quem vocês acham que escreveu?
(Ele sorri, deixa o microfone no pedestal e sai do palco.)

